SÃO PAULO, MARIAN E UM CHAPÉU DE FELTRO

São Paulo, por volta das 17 horas. Terça feira. Saio do aeroporto – Congonhas – e vejo, quase imediatamente, a Joyce apoiada em uma barra de ferro ou algo do gênero, segurando uma mala vermelha e olhando o celular. Ela tinha pego um vôo antes do meu, mas disse que me esperava para irmos juntos para o apartamento que tinha alugado, pelo Airbnb (juro que não é propaganda, apenas para dar o contexto). 

Meio sem grana e confiando cegamente na avaliação da Joyce – sempre impecável -, eu não tinha me envolvido no processo e não fazia a mínima ideia de onde ia ficar. Sabia apenas que era na região do centro porque ela e Thaisa (ausente da viagem de maneira imperdoável, mas que perdoamos porque a Thaisa pode tudo) me alertaram para ficar ligado e não usar muito o meu celular na rua. “É o melhor lugar de São Paulo, descobri minha adolescência fora da escola americana e dos ensinamentos da bíblia por ali, na galeria do rock”, disse a Joyce, “mas não dá mole”. Ela não disse exatamente isso porque a Joyce, vocês devem imaginar pela foto, não fala assim. Mas foi a minha interpretação. 

Fui, então, um pouco curioso e preparado para não usar meu celular em locais públicos, mas sem maiores pretensões, carioca que sou e totalmente ignorante da geografia de São Paulo, embora a cidade tenha sido sempre muito presente na minha vida. Uma das mais fortes memórias de infância que eu tenho é de ir para lá com o meu avô, naquele trem que viajava pela madrugada e chegava de manhã, onde a gente comia num vagão restaurante e dormia nuns beliches estreitos, mas que eram dez vezes melhores do que qualquer hotel 5 estrelas que pudesse existir. Meu avô trabalhava em São Paulo, era representante comercial de uma indústria têxtil, e volta e meia levava a gente pro Play Center, acompanhado da minha avó, já que ele detestava parques de diversão. Enfim. 

Chegamos no fim da tarde, estava nublado e a porta do prédio parecia um cofre incrustado numa parede enorme. Não dava pra ver a portaria e eu, confesso, não olhei pra cima, como se isso não fizesse muita diferença. Fazia.

Poupando o leitor do trajeto no elevador, antecipo que o hall do apartamento já me trouxe o primeiro choque: uns quadradinhos azuis que pareciam ter desembarcado diretamente dos anos 50. Pisquei, ainda absorto em outros pensamentos. Foi só quando entramos e a janela – enorme, quase de alto a baixo da parede, de metal – pulou na minha frente que eu percebi: estávamos em um lugar fora do normal e aparentemente fora do tempo. Contive o meu crescente e inexplicável medo de alturas e me aproximei. 

Nosso apartamento ficava no décimo andar e a janela não era só uma janela, era a porta para uma varandinha de ladrilhos vermelhos, protegida por uma gradezinha branca. Para os lados, outras varandas, separadas por biombos de vidro formavam um semi círculo, como se o prédio quisesse deixar a cidade entrar. Nos nove andares abaixo, as varandas todas juntas criavam um desenho, não sei dizer de que, mas de alguma coisa que me deu saudades, culminando em uma piscina em forma de lago, envolta por um discreto deque de madeira. Na minha frente, prédios antigos, de todas as idades – entre eles, aceso e gigante, o Farol Santander (mais propaganda gratuita, dessa vez por um bom motivo), onde a Joyce tinha passado mal, desmaiado e batido a cabeça no chão, ano passado. Olhei pra ela e a gente riu, como se estivéssemos naquele quadro do Faustão em que pessoas falam da nossa vida e de como tudo acabou dando certo, apesar dos problemas. Se existem sinais, aquele tinha que ser um.

A viagem foi foda porque fizemos um monte de coisas. Fomos a reuniões; apresentamos projetos; encontramos o Lucas Affonso e a Caroltinas, ambos no topo da lista de melhores pessoas que conhecemos e que fazem umas fotos inacreditáveis – e ainda levaram cerveja; compramos uma câmera por R$ 10 e tiramos fotos que são pedaços do que a cidade é pra gente; comemos o melhor Shawarma do mundo, no Largo da Paiçandu, fizemos matérias.

No entanto, tudo foi decidido ali, na hora em que eu vi a janela. Essa viagem foi o lugar onde ficamos. Que, aprendemos, chamava-se Marian e era um edifício histórico, inaugurado em 1942 pela condessa Germaine Buchard. O primeiro apart hotel de São Paulo, voltado para os ricos cafeicultores da época. Nos anos 50, virou hotel, Alvear e, em seguida, Marian – o nome que carrega até hoje. Transformou-se em prédio de apartamentos somente em 2010, após um cuidadoso retrofit realizado pelo arquiteto Pierre Mermelstein. 

Entrevistamos o Pierre, claro. Porque não resistimos a uma boa entrevista e porque, como a viagem foi definida pelo Marian (suspeito que a Joyce tenha sido guiada por forças do Universo em todo o processo de reserva), o síndico do edifício, descobrimos lendo um aviso no elevador, era o Daniel Passos, um amigo nosso, gente boa pra caramba e grande parceiro da Fugaz.

Aprendemos muito com o olhar do Pierre para o centro e sobre os trabalhos que ele fez em outros edifícios históricos da região, que ele adora e onde vive. Ainda tivemos uma rápida aula de fotografia – que ele também leciona. Tem muita coisa pra contar dessa viagem, na verdade. 

Mas isso fica para um outro texto. Esse aqui é apenas uma sensação. De sair pela varanda do Marian e desaguar no centro da cidade, uma cidade que é e que não é minha, em meio a prédios que parecem pessoas e pessoas que são histórias, tantas histórias. 

Como aquele trem que avançava pela noite e chegava num parque de diversões, guiado pelo meu avô e os chapéus de feltro quadriculados que ele usava. 

João Estrella de Bettencourt

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