
Em março de 1970, um grupo de adolescentes que curtia trocar ideia sobre histórias em quadrinhos organizou a primeira edição da Comic Con, em San Diego, na Califórnia. Tá, nem todos eram adolescentes, tinha uns tiozão no rolê também, mas sempre foi importante para os idealizadores manter viva a história de que era uma daquelas ideias que só sendo jovem mesmo pra ter: organizar uma convenção sem nunca ter feito isso antes? A história da primeira Comic Con, que atraiu 300 visitantes, é uma história de como o entusiasmo dos jovens é capaz de fazer o impossível.
Mike Towry foi um desses adolescentes. Tinha 14 anos quando criou a San Diego Comic Con International, ao lado de seus amigos. É o único idealizador sobrevivente. Fundou também o San Diego Comic Fest, uma convenção de quadrinhos que promove “uma experiência amigável e intimista”. Para saber mais sobre essa empreitada, conversamos com o presidente da San Diego Comic Fest, o Matt Dunford, que ao lado de Towry organiza uma convenção feita por fãs e para fãs. Falaremos mais sobre esse papo no final da matéria.
A Comic Con, por sua vez, nunca parou de crescer. O que começou pequeno em 1970, hoje é considerado o maior festival de quadrinhos e cultura pop do mundo, tendo batido vários recordes de público. Em 2017, perdeu o posto de maior convenção para a Comic Con Experience de São Paulo (CCXP), organizada pelo Omelete Group. Em sua última edição, a CCXP, realizada entre 6 a 9 de dezembro de 2018, atraiu 262 mil visitantes. É uma gigante.
E se agora São Paulo pleiteia ser a nova capital da Comic Con, surgirão com ela novos eventos independentes e alternativos, pois esse é um mercado que optou manter viva a fantasia como parte do negócio, e isso inclui o que há de grandiosidade e o que há de paixão.
A PerifaCon é um desses eventos. Graças ao financiamento coletivo na Benfeitoria, que segue no ar até o dia 28, conseguiu bater a meta duas semanas antes do prazo. Arrecadou R$5.000,00 para realizar a primeira edição, que acontece em março deste ano, no Capão Redondo.

O evento contará com uma exposição do projeto Rap em Quadrinhos, que sinceramente é uma das coisas mais incríveis que já vimos. Casa perfeitamente com o sentimento que parece mover o pessoal da PerifaCon.

Além da exposição, estão previstas quatro mesas, oficinas, palestras, entre outras atividades pautadas pela representatividade.
Autointitulada comic-con da quebrada, a PerifaCon é resultado das ideias de um grupo de oito jovens da periferia de São Paulo.
Andreza Delgado, de 23 anos, faz parte dessa galera. É feminista, negra, nerd e defensora dos direitos humanos. Ela contou pra gente como foi que surgiu essa ideia e enfatizou o impacto social e econômico que iniciativas como essa podem ter.
A história da PerifaCon está só começando – e a Fugaz pretende acompanhá-la ao longo do ano- mas já nasce da vontade de ir além do encontro: é sobre território, conhecimento e resistência.

“A história toda começa nos espaços informais e independentes, assim como nas oficinas de quadrinhos no Jardim Ângela, no Centro de Juventude (CJ), que os meninos frequentavam. Lá, tiveram acesso a esse mundo e hoje devolvem. Uma das recompensas que oferecemos no crowdfunding é um HQ que acompanha a vida de cinco personagens do Jardim Ângela, produzida a partir de uma série de entrevistas com pessoas que tiveram papeis marcantes na história do bairro. A Zona Sul tem forte tradição na expressão criativa – o rap é exemplo disso – e investir no território é investir na potência criativa desse lugar, que é enorme.”
Jardim Ângela é o terceiro distrito mais populoso de São Paulo. Na década de 90, tornou-se sinônimo de criminalidade, quando foi declarada pela ONU a região mais violenta do mundo. É berço de ações revolucionárias de integração comunitária, o lado infelizmente menos conhecido de sua história, cuja memória é resgatada, muitas vezes, pela arte. A produção cultural sobrevive para contar essas e outras histórias.

Andreza nos relatou que do grupo, formado por oito jovens apaixonados por HQ e cultura pop, só um já foi ao CCXP, que acontece em São Paulo desde 2014 em São Paulo. É um dos Matheus – tem dois na turma – que consegue juntar grana para comparecer a um dia de feira.
“Daí pensamos, pô, e se fizéssemos uma feira aqui mesmo? E se tentássemos trazer o Marcelo D’Salete para trocar uma ideia com a galera? A partir daí outras ideias foram surgindo, o apoio ao evento foi crescendo e no final conseguimos arrecadar mais do que esperávamos.”
Marcelo D’Salete é um cartunista brasileiro que ganhou o prêmio Eisner, o Oscar dos quadrinhos, pela obra Cumbe, graphic novel que reúne histórias sobre resistência à escravidão no período colonial brasileiro.
“A gente quer, sim, trazer o protagonismo das mulheres, dos negros, dos periféricos para esse universo – pra gerar conhecimento, sem caráter acusatório. Mas é que pra gente não faz sentido não trazer, porque são essas as histórias de superação e de resistência que a gente conhece e reconhece nos quadrinhos, como na história do XMen.”
Andreza disse também que o grupo já faz planos para uma segunda edição do PerifaCon, que deve acontecer no Rio de Janeiro. O resultado disso tudo a gente quer acompanhar e mostrar por aqui.
Enquanto aguardamos a PerifaCon acontecer, buscamos ouvir o que Matt Dunford, que preside a San Diego Comic Fest, tinha a dizer sobre organizar uma convenção alternativa de quadrinhos.
“Estar à frente de uma convenção idealizada por um dos fundadores da Comic Con é incrível, pois me permite aprender muito com as tradições e enriquecer a história dos quadrinhos. “
Questionado sobre o que aprendeu com a tradição, Matt responde:
Aprendi que cada pessoa importa. Que a experiência importa. Que os HQs, o sci-fi, a animação e cinema sempre serão o coração e a alma do negócio”.
Contamos pra ele toda a história que levou ao surgimento da PerifaCon, que a nós lembra a paixão por trás da primeira Comic Con. Apresentamos o Rap em Quadrinhos, uma das atrações da PerifaCon, que ele adorou. Ao comentar a iniciativa, ressaltou:
Organizar uma convenção é criar uma abordagem diferente, uma que vale muito a pena no final, pois cria algo especial e único, que contrasta com a experiência de grandes festivais. Em qualquer lugar do mundo, você encontra alguém usando uma camiseta do Superhomem. A paixão por quadrinhos é universal. Há muitas formas de inspirar esperança.”
Joyce Martins