A revelação herbal surge como uma alternativa extremamente barata para os filmes preto e branco. Dar autonomia a quem fotografa nesse processo também é algo poderoso.
A magia de escrever com a luz. Algo mais do que arte, comunicação, fenômeno cultural, lembrança ou esquecimento, com ela podemos subverter diversos paradigmas.
Os processos envolvidos na fotografia não deixam de remeter aos alquimistas antigos. O princípio da alquimia é a transmutação – como fazemos isso virar aquilo. Também é arte, química, física. É sutil. É social.
A partir do momento em que um feixe de luz interage na emulsão química, produz uma imagem quase que invisível – desde a percepção sociopsíquica de um olhar treinado – ou não – para a experiência artística; é revelado por meio de um processo de transmutação (redução da prata), e após isso interferido ou não – temos uma alquimia.







A revelação herbal é a minha resposta. Utilizar ativos de plantas como fenóis para reduzir a prata no lugar de metol (extremamente tóxico), e fixar com produtos biodegradáveis tem sido a missão com a qual me comprometi a estudar.
O elixir da imortalidade tão buscado na Idade Média pode ser visto em imagens de pessoas que não existem mais. A sensação de que uma fotografia tem o poder de eternizar se estende por todos os indivíduos. Fotografar para se lembrar (ou ter o poder de esquecer) para sempre.
É um conceito muito humano: queremos pensar que tudo permanecerá, que o mundo onde vivemos estará aqui para sempre. No entanto, a destruição faz parte do processo de repensarmos a arte e a fotografia enquanto alquimias contemporâneas. Rever nossos conceitos e processos de uma maneira integrada com o interior e o exterior, sem desconsiderar as nuances e problemas de ambos.
Como um problema externo, temos a destruição do mundo e seus territórios e nativos. O movimento eco consciente tem tomado muita força em todas as vertentes. Sem essa guinada, estamos fadados a fracassar na missão de manter nosso planeta vivo. Não é mais aceitável que surjam novas alternativas, produtos ou práticas que não levem a sustentabilidade em consideração.
Pensando nisso, minha forma individual de alquimia fotográfica foi muito clara desde que comecei a estudar processos de revelação: gerar menos (se possível reduzir a zero) o descarte químico nocivo.
A fotografia analógica me ensinou o que a arte pode ser. A revelação herbal me ensinou as possibilidades infinitas de uma fotografia em um mundo em processo de destruição.
Venho desenvolvendo um processo de manter minha prática alinhada com a perspectiva de fim de mundo. A destruição acontece em cada ação que tomo e não quero, quando possível, fazer parte dela.
Em um país onde tudo o que chega como exportação (e até o que é produzido internamente) é inviável economicamente para uma sociedade desigual e em crise. Os filmes não são diferentes.
No momento, o aumento exponencial dos preços das películas e a dificuldade de importação de químicos fotográficos (muitos aqui no Brasil são barrados pela ANVISA como matéria-prima para a produção de drogas) elitizaram ainda mais a fotografia analógica, que sempre foi um nicho depois do advento do digital.
É mais do que só uma alternativa sustentável porque também diz muito sobre o caminho da minha poética pessoal enquanto artista. Acredito que tudo está interligado de maneiras que muitas vezes não entendemos. O que está dentro está fora e vice versa.
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samanta ortega
A paulista Samanta Ortega é artista visual, designer, graduanda em Produção Multimídia e especializada em processos analógicos alquímicos na fotografia.
Seu trabalho se pauta principalmente em práticas híbridas e experimentais, como manipulações físicas e digitais em fotografia 35mm e o autorretrato. Vê a arte como uma constante caminhada de busca e perda, onde as narrativas pessoais se interseccionam com o mundo de fora.
Em 2021, foi selecionada pela Sô Edições para a publicação do minizine Enquanto Espero, foi curadora fotográfica para a página Foto Femme United e é parte da comissão de organização da plataforma Coleccionismo Contemporáneo Latinoamerica.
Samanta Ortega was born and lives in São Paulo, Brazil. She is a visual artist, designer, minor in Multimedia Studies and specialized in analog alchemic processes in photography.
Her work relies mainly on hybrid and experimental practices, such as physical and digital manipulations in 35mm photos and self portraiture. She sees art as a constant “search for” and “loss of’, where personal narratives intersect with the outside world.
In 2021, she was selected by Sô Edições for a minizine publication, was a photo curator for Foto Femme United and is part of the organization committee for the platform Coleccionismo Contemporáneo Latinoamerica.